Por Araí Daniele Sem dúvida a primeira e fundamental lição da Revelação divina está no início da Bíblia, no episódio do Pecado original do livro da Gênesis.
Visto que é a religião que liga a consciência a Deus, aquele episódio nos revela que havia só duas opções para a sua formação. Desde então a história humana foi escrita segundo a dupla opção religiosa: a verdadeira que segue a direção da verdade que vem de Deus para os homens, que podemos dizer teândrica; a falsa, das idéias humanas sobre Deus, que podemos chamar androteista.
Compreende-se isto porque, considerando que a verdade divina é única, a direção contrária é mais aberta a opiniões, mas também filosofias, multiplicadas ao infinito, além de enganos de aspecto místicoide introduzidos em nome das mesmas religiões, mas alheios à verdade, que só pode ser uma e una.
No entanto a operação ecumenista conciliar visa reunir múltiplas religiões!
O objetivo destas mistificações é sempre a conquista das consciências através de todo tipo de pedagogias desviantes da religião única.
Vejamos, pois, os elementos que constituíram a opção para as consciências, e condicionam toda a história humana. Estão todos na Gênesis (2, 15-17):
“O Senhor Deus colocou o homem no paraíso de delícias, para que o cultivasse e guardasse. E deu-lhe este preceito: – Come de todas as árvores do paraíso, mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque, o dia que comeres dele, certamente morrerás”.
Trata-se da Religião única da Palavra divina, que ensina o vínculo da vontade humana, ao qual a consciência não se deve rebelar, mas amar, reconhecendo nele o guia do próprio bem, para a ordem e a liberdade dos seres humanos.
A motivação da vida é a felicidade, a cultivar e guardar segundo a Palavra divina. Esta é o alimento da vida espiritual diante de cujo bem o homem é livre em tudo exceto permitir-se juízos próprios sobre o bem e o mal, o que seria usurpação do juízo sobre o bem da vida, que, contrária ao bem divino, é escolha de mal e de morte.
A lição divina sobre a impotência humana de adquirir em modo autônomo o conhecimento do bem e do mal é claro: sendo incapazes do pleno conhecimento do Bem, que é Deus mesmo, só podemos conhecer o bem e a sua privação no mal de modo reflexo, revelado. A pretensão prometeica de dispor do arcano divino causou a ilusão de poder impunemente raptar o que é divino, colhendo uma ilusão de bem, um fruto quimérico, utópico, androteista; significou cair num abismo real. Que nome dar a essa anti-religião senão gnosticismo?
O homem, criado livre na encruzilhada do mundo espiritual e material, dotado de livre arbítrio, valor supremo da vida terrena, dispunha da vontade para fazer com que o bem espiritual domasse o mundo material, mas também o contrário.
Na sua consciência são registrados os fatos da vida natural sobre os quais recebeu esse poder original: o homem é o único potencial operador da chave de comando que pode descarrilar o mundo da sua ordem. Eis a razão da ânsia do espírito do mal pelo controle total das consciências humanas. Ali semeia continuamente o seu joio, com o falso aspecto do trigo evangélico, para atraí-las ao mundo contraposto à ordem divina. Promete abundância, garante liberdade e satisfaz a árida avidez da carne, do possuir e do dominar, como deuses; mas ao preço que se negue ou altere perfidamente a Palavra divina.
O estranho mestre apresenta-se com uma voz humana e exerce o seu poder para exaltar a dignidade do eu, para inocular nos homens a sua ânsia que fará com que sejam atraídos pelo mundo material, para aglomerar um povo de contestadores globais da ordem universal por Deus revelada.
Voltando às duas únicas opções para a formação da consciência, o episódio do Pecado original, que condiciona toda a história humana, temos de um lado a religião da Lei de Deus, do fruto proibido e da felicidade associada à responsabilidade dessa resposta fiel. Do outro, os juízos próprios proferidos pela própria consciência, que elabora como quer suas leis, sua moral, suas crenças e descrenças, num pluralismo moral e religioso, centrado no homem desligado de Deus. Foi assim que um vírus antropocêntrico infectou o homem que era livre de respeitar o único preceito divino e afastar-se do sussurro tentador:
– De nenhum modo morrereis. Mas Deus sabe que o dia que comerdes dele, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal. Era a tentação gnóstica de conhecer um poder humano autônomo de Deus.
E os primeiros pais deixaram que esse vírus mortal, destruidor da imunidade da graça divina na consciência, a infectasse do mal que lhe causou como que uma mutação genética.
Os elementos para o desvio das consciências estão todo ai; são os mesmos elementos do bem, mas alterados. A liberdade é aplicada ao comércio e à criatividade no mal, que incute a ilusão da autonomia da Palavra divina nas consciências. A felicidade assume as feições do prazer da carne, do possuir, do dominar até as outras consciências, como deuses.
De um lado está a fé no Criador, do outro a falsa ciência, a gnose da criatura. Seguem os enganos devastadores como equiparar o bem ao mal, e a impossível tentativa de conciliar os contrários, que leva a consciência a colher, pelo abuso culposo da liberdade, frutos envenenados de mal.
Existe hoje, como é bem difícil negar, um “complô” para substituir a Igreja de Jesus Cristo com uma secreta “anti-Igreja” gnóstica. Sendo esta uma operação secreta, é preciso, para identificá-la, reconhecer os termos que a caracterizam em modo contínuo no curso da história até os nossos dias. Esses termos não são unívocos, mas reconhecíveis pelo seu plano final: uma anti-igreja para animar com um culto sincretista de uma “nova ordem” global. Eis quais são os principais termos concatenados que remontam a antes do início do Cristianismo: Gnose, Cabala, Platonismo, Sincretismo, Sinarquia, Rosa-cruz, Teosofia, Antroposofia, Maçonaria, Mundialismo new age, Ecumenismo conciliar.
Para seguir essas idéias e suas obras, aqui vamos recorrer aos trabalhos de Pierre Virion e Epiphanius, que se completam. O texto que segue o primeiro e resume o segundo, que parte do que já tratamos: que a queda original permitiu ao espírito do mal organizar uma hierarquia oculta com o plano de dominar as consciências segundo um longo percurso histórico para reunir uma imensa massa humana sujeita a renovadas idolatrias, a “potestas tenebrarum”: uma verdadeira anti-igreja que se apropria de todo atributo da Igreja de Deus.
A Revolução religiosa que explodiu nos tempos modernos com a pseudo-reforma. Tratava-se de submeter a objetiva e imutável Verdade divina ao livre exame subjetivo e contingente, dividindo-a em tantas diversas interpretações. Para essa relativização do Bem absoluto, e portanto da autoridade outorgada à Igreja católica e ao seu chefe visível, o Papa, esta deveria ser liquidada porque seria obstáculo à afirmação das “novas verdades”. Assim um ódio intelectual desenvolvido pelo velho pensamento gnóstico, reapareceu no Renascimento e foi “encarnado pelos alquimistas e Rosa-cruzes do Seiscentos, opera através das lojas martinistas, dos Iluminados da Baviera, do Movimento Sinárquico, chegando no nosso atormentado século, das grandes sedes mundialistas da O.N.U. e da U.N.E.S.C.O. e no campo religioso ao dramático e nefasto evento que foi para o catolicismo o Vaticano II, seguido pelo primeiro ato ecumenista de uma ORU, organização que está para as religiões, como a O,N.U. está para as nações, revelada na reunião de oração pela paz das religiões de Assis.
Hoje, na vigília do Governo Mundial, o inimigo é ainda a Igreja católica, única via de salvação para a humanidade. Nela se travará a luta final, contra ela se concentrarão todas as forças do mal. Hoje a crise que destrói a Igreja é devastadora e a sua missão de única depositária da Verdade é discutida em assembléias democráticas, pelos seus mesmos membros em nome de um ecumenismo alargado a toda religião e erro, mesmo que neguem o que foi revelado pelo Verbo divino.
“A hipótese de uma degeneração espontânea é insustentável: os apelos de Paulo VI que denunciava a fumaça de Satã penetrada no templo sagrado evocam os sinistros propósitos das lojas que pela boca de um seu máximo expoente, Albert Pike, 33° grau do Rito Escocês Antigo Aceitado americano, autor de Morals and Dogma, ainda hoje considerado pedra milhar da doutrina maçônica, ainda no XIXº século declarava: “Quando Luiz XVI foi executado a metade do serviço estava feito e desde então a Armada do Templo devia dirigir todos os seus esforços contra o Papado”.” (E. p. 11)
EXISTEM VÉRTICES SUBVERSIVOS OCULTOS? Vamos recorrer aqui a Pierre Virion (1898-1988) – uma das maiores autoridades católicas no campo do mundialismo – e a um dos mais abalizados e preparados estudiosos do fenômeno maçônico, mons. Ernest Jouin (1844-1932), com quem Virion colaborou durante anos na redação da célebre e da muito bem documentada revista Revue Internationale des Sociétés Secrètes, fundada em Paris (1912):
“De minha parte não admito a ação direta do demônio no governo maçônico, mas compreendo que o estudo das iniciações faça com que o espírito propenda para esta solução mística, para a qual os atos da Maçonaria moderna conferem uma aparente confirmação. À tal solução oponho simplesmente a ordem providencial na base da qual tudo neste mundo depende de um poder humano: e, como Jesus Cristo, chefe invisível da Igreja católica, é representado visivelmente na terra pelo Papa, do mesmo modo considero que Satã, chefe invisível da armada do mal, comande seus soldados através de homens, seus acólitos, sempre livres porém de subtrair-se às suas ordens e às suas inspirações. Quanto a este poder, mais ou menos oculto, da Maçonaria e das Sociedades Secretas que perseguem o mesmo fim, ele existe pela simples razão que não há um corpo sem cabeça, sociedade sem governo, exército sem general, povo sem poder público. O axioma romano: tulle unum est turba: adde unum est populus, encontra aqui sua plena justificação: sem poder direcional, a Maçonaria seria uma massa mais ou menos perdida em alguma idéia subversiva, mas que se teria decomposto por si mesma ao invés de ser a dominadora do mundo”. (P. Virion, Bientôt un gouvernement mondial?, Saint-Cenéré, Ed. Téqui, 1967, pp. 217-18).
Como essa citação poderia parecer parcial, seguem outras de importantes protagonistas da história, insuspeitos de anti-maçonismo:
1920 – Winston Churchill num artigo entitulado “ZIONISM versus BOLSHEVISM. A Struggle for the Soul of the Jewish People”, publicado na página 5 do lllustrated Sunday Herald de 8.2.1920, depois de ter descrito os vários aspectos do hebraísmo de então, no qual individuava uma componente “nacional” boa e leal e uma internacional decididamente má, tratando desta última, escrevia: “Dos dias de Spartacus-Weisshaupt até Karl Marx, Trotzkij (Rússia), Bela Kuhn (Hungria), Rosa Luxemburg (Alemanha) e Emma Goldmann (USA), este complô mundial para a destruição da civilização e para a reconstituição da sociedade na base de uma interrupção do progresso, do mau ânimo invejoso e da impossível igualdade, desenvolveu-se poderosamente. Ele representou – como demonstrou eficazmente uma escritora moderna, Webster – uma parte claramente reconhecível na tragédia da Revolução Francesa. Ele foi a causa primeira de todos os movimentos subversivos do século XIX; e agora, enfim, este grupo de personalidades extraordinárias do mundo subterrâneo das grandes cidades da Europa e da América agarrou pelos cabelos o povo Russo e tornou-se praticamente o dominador sem rival desse enorme império”.
1930 – “Nas encruzilhadas da História, um Kahal misterioso impele o homem “inspirado”, por vezes escolhido com muita antecedência para tornar-se instrumento da “Grande Obra”. Ele pode então abalar um estado, inverter o curso dos eventos, desafiar as oposições, enganar os povos com sublevações espetaculares e dramáticas, com estupor das multidões que ignoram a preparação de seus cursos efetuados por outras mãos e com suportes ocultos que o fizeram durar até o dia estabelecido para a sua queda, uma vez absolvida a sua missão, ou então quando as suas pretensões ultrapassam a medida que lhes foi confiada”. (Kadmi Cohen, L’abomination americaine, Paris, Ed. Flammarion, 1930).
1985 – Louis Pauwels (1920-1997), maçom, ocultista discípulo do mago Gurdijeff, então diretor de revistas esotéricas e do Figaro Magazine, que amava proclamar a sua conversão ao cristianismo:
“Há um complô mundial de forças anti-cristãs que visam enfraquecer (e se possível dissolver num humanismo de belas palavras, mas impotentes) a fé dos católicos, a dividir a Igreja, a suscitar um cisma” (Vittorio Messori, Inchiesta sul Cristianesimo, Torino, SEI Editrice, 1987, pp. 151-52).
1995 – James Garrison (Presidente da Fundação Gorbaschev USA): “Estamos nos encaminhando para o governo mundial. É inevitável […]. Haverá conflitos, pressões e compromissos. Tudo faz parte do que será necessário para fazer nascer a primeira civilização global”. (E, p. 20)
A GNOSE – “é a essência e o miolo da Maçonaria”. “A Maçonaria é a gnose; (os maçons são) os verdadeiros gnósticos que continuam a sua milenária tradição” (Albert Pike). “Alexandrian”, provável pseudônimo de um alto iniciado, escreve na sua “História da filosofia oculta” citando um dos máximos expoentes modernos do pensamento gnóstico, Henri-Charles Puech: “Ter a Gnose (= Conhecimento) significa saber o que somos, de onde viemos e onde vamos, o que nos pode salvar, qual é o nosso nascimento e qual o nosso renascimento”. E à série de perguntas: “Porque na terra existem tantas religiões, em vez de uma só fé? Qual escolher e segundo qual critério preferir umas às outras? Como estabelecer quem tem ou não razão, entre o pagão, o judeu e o cristão, entre quem está certo da metempsicose e quem espera o Juízo Universal ?”, faz seguir considerações dignas da máxima atenção: “Uma resposta por demais imediata a estas perguntas dramáticas e problemáticas transforma o indivíduo num ateu, que recusa globalmente todas as religiões justamente devido às suas divergências, ou num fanático que se fecha rigidamente na própria fé evitando de analisar as outras, por temor que esta seja alterada. o gnóstico, ao invés, usa a Gnose como um filtro através do qual perscruta e analisa as religiões e as filosofias, para preservar o melhor de cada uma. Elabora assim uma religião intelectual, baseada numa rigorosa cultura em vez de uma religião revelada que justifica os próprios postulados inverossímeis e absurdos recorrendo a visões, êxtases, alucinações auditivas”. (E, p.21)
GNOSE e DOUTRINA GNÓSTICA “A Gnose nasceu no ambiente judeu-cristão nutrindo-se de um pensamento especificamente hebraico, emprestado de um inteiro cabedal literário do Antigo Testamento, mesmo se o seu vocabulário provem do grego e fórmulas pseudo-filosóficas do Egito e do Irã” (Etienne Couvert, De la gnose à l’oecumenisme, Vouillé, Éditions de Chiré, 1983, p. 9; testo fundamental para tratar do tema gnóstico).
A Gnose desenvolveu, praticamente em seguida da morte de Jesus, um ensino original, peculiar, sempre destinado a uma estreita seita de iniciados, destinado a descobrir no ensino do Senhor verdades mais profundas daquelas simples, evangélicas, ao alcance de quem quer que seja. Servia pois para distinguir, segundo eles, entre um ensino exotérico ad usum populi e outro esotérico, secreto, reservado por Jesus e pelos Apóstolos a um seleto círculo de iniciados superiores. Este seria o motivo, segundo os gnósticos, a mola secreta da explosiva expansão do cristianismo e a eles era preciso dirigir-se para obter as respostas aos problemas existenciais básicos como a questão do Mal.
O Mal, sentenciavam, não procede do homem, mas do mundo divino, de um deus malvado, o Deus dos hebreus-cristãos (os profetas de fato não anunciavam só desgraças?), um deus inferior, ignorante, que da matéria eterna increada teria criado o mundo como o conhecemos, com uma obra, pois, não de criação, mas de organização, de transformação da matéria, de onde o apelativo que lhe foi conferido de Demiurgo (= artesão). Na matéria teria preso o homem, então ser puro e espiritual, gozando em seguida dos sofrimentos nos quais o homem se debatia na tentativa de livrar-se da matéria que o degradava a ser inferior a Deus. Por outro lado os gnósticos, nessa distorcida e arbitrária teologia, postulavam a existência de um Deus bom, inacessível e indiferente às questões humanas (donde então toda essa bondade?), que tudo compenetra e envolve, chamado por eles, vez por vez, “Abismo original”, Pleroma” (= plenitude), “Grão Todo”. Ele se teria expandido por “emanação” gerando uma multiplicidade de seres – entre os quais os Anjos e o Demiurgo – assim chamados segundo a época “Eons”, “Syzygie”, “Arconti”, ou, na Cabala hebraica, “Sephiroth”.
A expansão deste Deus-Todo seria perenemente em curso, dai o caráter do devir do mundo, do universo. O mundo, essência mesma do Deus bom, seria divino, em quanto gerado e não criado do nada. O processo de expansão, por causa da intervenção falha e indesejável do Demiurgo, teria ao invés sofrido um atraso obstruindo assim a evolução para a conjunção dos espíritos gnósticos com o próprio Deus-Tudo. Dai o conceito de queda original, causada porém, não por Adão, mas pelo Deus dos cristãos, Jahvé. Afirmando que a matéria é infinita, portanto identificável com Deus mesmo (panteísmo = Deus em tudo), não é dito como esta, que é parte do Pleroma, o Grã-Tudo definido como Deus-bom, boa de per si, pois, possa ao mesmo tempo incorporar o mal. Se o Mal não provêm assim do homem, ele não pode ser responsável por ele: inútil então a ascese cristã que não garantiria salvação eterna, inútil toda luta contra as tentações e fraquezas, inútil todo esforço de aperfeiçoamento; a salvação e libertação a procurar é mais que tudo a da matéria na qual o ignóbil Demiurgo – o Deus dos cristãos – encadeou o homem, de modo que este possa recuperar aquele estado de centelha divina primordial, emanação do Deus bom.
O “caminho” para alcançá-lo passa, segundo os gnósticos, através o ensino esotérico do Cristo, o maior dos Grandes Iniciados, que procura a salvação através da Gnose (= conhecimento). O meio é a magia, que conduz o homem a “despertar”, para o seu estado primordial divino, no contacto com as entidades espirituais superiores. Supérfluo observar que as verdades do Credo são aqui abertamente negadas: Paixão, Morte e Ressurreição de N.S. Jesus Cristo são reduzidas a símbolos sem base, porque o homem não precisaria mais de ser redento em quanto não pecador, sendo ao contrário vítima do despotismo do Demiurgo. Segundo estes, o Cristo-Lucífero (= Portador de Luz) gnóstico não indicou um caminho de redenção a percorrer com tribulações e esperanças, mas revelou a quem não o sabia que o homem desde sempre é divino, e que o inimigo que o impede, através da superstição e da ignorância religiosa, de alcançá-lo é Jahvé, o Deus dos cristãos. Se postula que na matéria se aninha o mal razão porque também o corpo humano é mau e se põe ao mesmo tempo o problema da relação com a “centelha divina”, emanação do Deus-Tudo, bom; daqui a necessidade de individuar a parte boa, segundo esta doutrina, do homem. A tal fim os gnósticos individuam nesse três partes: a parte carnal, má, segundo a linguagem gnóstica, “soma”, uma parte psicológica sede das paixões, ou “psique”, e a parte que se identifica com a centelha divina, o “pneuma”. Desse modo tudo é enquadrado: a psique é a força má que sustem a matéria, enquanto o pneuma, sendo consubstancial ao Deus-Pleroma, resta indiferente e impassível aos fatos do corpo. O homem na sua essência não é pois responsável de suas ações, que devem ao invés ser imputadas às forças daquela psique material da qual, sem querer, encontrou-se dotado.
In nuce encontramos todo o protestantismo de Lutero: as obras são inúteis para os homens, sendo por sua natureza incapaz de atos bons, a salvação pode ser obtida só através da fé, claro, uma fé iniciática. O pensamento gnóstico antecipa também a moderna psicanálise, que entende subtrair o homem do problema do Bem e do Mal, enviando para um indefinido inconsciente situado na psique a responsabilidade das ações intrinsecamente más atuadas pelo “eu”. Para os psicanalistas o inconsciente, o Es, do qual o individuo é pois vítima inocente, seria sede dos impulsos instintivos aos quais, segundo eles, é bom que o homem se desafogue para não criar-se perniciosos “complexos” de culpa. Dai a idéia da indução à transgressão através da libertação sexual, da droga e toda perversão conhecida *
* O que é surpreendente nos sistemas gnósticos é que eles são exclusivamente baseados nas manifestações do Inconsciente e que as suas noções morais não recuam diante de aspectos pouco claros da vida (este inconsciente é a psique dos gnósticos, sede das paixões que agitam o corpo). Não penso de ir longe demais declarando que o homem moderno, contrariamente ao seu irmão do século XIX se volta para a psique com grandes esperanças e sem referir-se a nenhuma crença tradicional, mas acima de tudo no sentido de uma experiência religioso-gnóstica” (C.G. Jung, Problème de l’ame moderne, Paris, Ed. Buchet-Chastel, 1987, 466 pp. ; v. também P. Ennio Innocenti, Critica alla psicanalisi Sacra Fraternitas Aurigarum in Urbe, 1991). Não se podia explicar melhor – comenta Couvert – a Gnose através da psicanálise voltou em forças num mundo descristianizado […] de fato, a Gnose se chocava contra incoerências, contradições que custavam a resolver.
A psicanálise ri destas dificuldades. Por exemplo o problema do Mal. Os gnósticos não sabiam como conciliar o Bem e o Mal na Divindade. Não há diferença entre Bem e Mal, dizem os psicanalistas. Em Deus o Mal é a perfeição do Bem, o cumprimento da Divindade. Satã mesmo faria parte integrante de Deus. Foi este ser divino que ensinou aos homens serem senhores de si mesmos, capazes de discernir o Bem e o Mal. os gnósticos afirmam que o nosso ânimo (pneuma), centelha divina, deve restar indiferente, impassível diante das agitações e pulsões da psique. Os psicanalistas, ao contrário, afirmam que o homem deve deixar que se manifestem livremente estas pulsões, porque os movimentos da psique são, esses também, símbolos da Perfeição divina. O que uma vez, no curso de cerimônias sagradas, era reservado a poucos iniciados, hoje é correntemente praticado por muitos. A prática ascética dos Gnósticos, dos Perfeitos, dos Puros, dos Cátaros, não era então um meio para atingir a divindade, mas o sinal que esta já havia sido alcançada, que o homem já havia realizado a Unidade perfeita com Deus; a prática da dissolução dos gnósticos modernos será pois o sinal que o Homem ultrapassou as categorias do Bem e do Mal, que finalmente atingiu o total domínio de si mesmo, capaz portanto de dar-se uma lei, de estabelecê-la a seu alvitre sem ter que prestar contas a ninguém: a liberdade total sem nenhuma responsabilidade.
Para a subversão de toda a Ordem natural e divina não era possível inventar meio melhor…” (E. Couvert, op. cit., pp. 42, 43). A aversão ao mundo material suscitou nos gnósticos duas atitudes antitéticas só em aparência: a abstinência de toda relação sexual e a libertinagem orgástica mais desenfreada. Ambas, de fato, são expressões de ódio e desprezo pelo corpo, seja negando-lhe o uso da sexualidade, seja arrastando-o a todo excesso ruinoso. A regra gnóstica geral foi pois em todas as épocas a recusa da procriação visto que o Demiurgo teria exortado os homens a crescer e multiplicar-se só para perpetuar o ódio e a infelicidade nesta terra. Dai a abstinência forçada, a abolição do matrimônio, o uso dos contraceptivos, o aborto, a esterilização, a sodomia, a pedofilia, até as orgias rituais que coletivamente substanciava a recusa da vida. São todas atitudes que no pensamento gnóstico tendem a interromper a continuação da espécie humana, vista como penosa desaventura, liberando invés através da morte o pneuma, a alma, a essência divina prisioneira do corpo. Explicam-se assim também as motivações mais profundas dos suicídios dos Cátaros, dos infanticídios dos Anabatistas e, porque não, de tantas guerras e revoluções modernas cujos motivos referidos nos livros de História são pelo menos irreais.
“Quanta atualidade do pensamento gnóstico dos primeiros séculos depois de Cristo! O homem moderno, é de fato iniciado na gnose sem que o saiba. Todavia, o aspecto mais preocupante da expansão infrene da gnose na sociedade moderna, deriva da difusão, efetuada com uma habilidade só superada pela perfídia, de um oportuno état d’esprit, favorável à afirmação e à glorificação do Mal, da destruição, da perversão, do irracional em quanto tal, e hostil a toda forma de Bem, de ação construtiva, de virtude, de racionalidade, de bom senso.
“Ajudado pelo conformismo, pelo espírito de emulação e pelo instinto gregário do homem (e do jovem em particular) este é induzido a conformar-se a este état d’esprit com comportamentos instintivos, auto-destrutivos e inaturais.
E tudo acontece sem que o homem seja disso consciente, mesmo se percebe quase sempre uma certa inquietação, da qual não consegue porém definir e reconhecer a natureza e as causas, e que determina em modo crescente crises, depressões, mania suicida e homicida. Uma parte desviante é aqui operada pela psicanálise e pela psicoterapia, que como antídoto a tal ânsia sugerem doses ulteriores dos mesmos comportamentos que já causaram essa mesma crise.” (E, p. 26) Em breve, o mestre gnóstico, para manipular as consciências apresenta-se como aquele que sabe, porque libertou-se das cadeias impostas pela lei do Deus que revela a Religião do fruto da Árvore proibida. Livre de tais limites, uma vez que “conhece”, pode libertar outras consciências. Carl Gustav Jung, mestre da psicanálise e estudioso do esoterismo, afiliado ao Rito Escocês Retificado, à pergunta “Mas crê em Deus?”, respondia: “não preciso crer. Agora sei.” (cfr. il Giornale, 8.12.1986). “O gnóstico é o perpetuador do espírito de revolta que animou o antigo tentador quando sussurrava a Adão e Eva 1’eritis sicut Dei, basta que comais da Árvore do Conhecimento (= Gnose). Tanto basta para que os adeptos das seitas gnósticas dos Ofíiti o Naasseni (ophis in grego e naas em hebraico significam serpente) admitiam: “Nos veneramos a serpente porque Deus a colocou na origem da Gnose para a humanidade: ele mesmo ensinou ao homem e à mulher o pleno conhecimento dos outros mistérios”. “Assim, conclui o Couvert, tudo é claro. Toda elucubração gnóstica ostensivamente sábia é na realidade destinada a afastar os cristãos da adoração do verdadeiro Deus e a levá-los à adoração da Serpente, fim supremo da seita.”
GNOSE: ANTI-IGREJA DO MUNDO ANTIGO O promotor da Gnose, nascida no ambiente judeu-cristão, narrado nos Atos dos Apóstolos, foi sem dúvida Simão Mago, de Samaria, autor de uma teologia iniciática, de uma escola subterrânea que si perpetuou por mais de três séculos. Era uma elucubração intelectual mista com a magia. Contra a Religião derivada da ordem divina, dogmática, única e ordenada ao Bem, insurgia a anti-religião que faz da liberdade o seu ídolo, o seu supremo bem; o caminho de toda religião fruto de própria escolha para ser como deus. Eis o que assinalou a história humana, antes e depois da vinda do Redentor. Vemos aqui este processo de rebelião que chega nos nossos tempos espantosamente multiplicado e ocultado ao ponto de apresentar-se, com tanta pompa e glória e autoridade. em nome do mesmo Cristianismo. “Na Maçonaria há duas categorias que se completam à perfeição: os racionalistas e os ocultistas ou iluminados, explica Léon des Poncins, (La F.: M.: d’après ses documents secrets, Difusion de La Pense Française, F-Vouillé, 1972), e continua: “a ação destes últimos, menos conhecida que a dos racionalistas, e de muitos insuspeita, é na verdade mais profunda e portanto mais perigosa”. Isto deriva da realidade pela qual: “O ocultismo, mais que Deus, reina ainda soberano sobre a humanidade, não só nos povos primitivos, mas nas nações mais civilizadas do Oriente e Ocidente… as sociedades humanas são fascinadas pelos poderes invisíveis” (M. Lallemand, na op. cit. p. 53-54). Eis as luzes dos Rosacruzes, os teósofos, os antropósofos… “Eles afirmam terem sido iniciados nos conhecimentos secretos transmitidos por Krishna, Zoroastro, Moisés, Cristo, Pitágoras. O livro de Schuré, ‘Os Grandes Iniciados’, de pura imaginação, dá um exemplo das doutrinas, de influência teosófica, propagadas pela Europa e ensinadas por uma miríade de seitas… A essência do ocultismo moderno consiste em uma deificação do homem ou melhor, dos lados obscuros da alma humana… é legítimo falar de uma satanização destes lados obscuros”(ib. p. 58-59). “O ocultismo tem repercussões políticas mais importantes do que se pensa. Uma vaga de ocultismo precedeu e acompanhou os movimentos revolucionários de 1789 e 1917 [e de Hitler]. […] ‘A intelligentsia russa, que, embora de origem burguesa, era extremamente revolucionária, caiu rapidamente sob a influência de idéias religio-racionalistas, propagadas pelas seitas (Fülöp-Miller). […] ‘A especulação filosófica não preocupa que poucos maçons. Serão de certo modo os doutores da Maçonaria, nela assumindo o caráter de Mestres secretos…’(O.Wirth, ib.p.62-66).
Na fé destes iniciadores não há lugar para uma autoridade infra-humana. Os seus sinais dos tempos provêm do progresso da humana percepção dos eventos. Há pois que rever a Escritura, não para contestá-la diretamente, mas, com o seu aggiornamento progressivo, segundo o melhor entendimento dos tempos, utilizá-la para a evolução contínua do mundo dos homens. Eis ai situado o objetivo máximo e constante no apostolado anti-cristão de todos os tempos: a reciclagem do Cristianismo num milenarismo de paz universal. Foi a idéia de Cerinto nos tempos apostólicos, ao qual seguiram muitos conhecidos anti-apóstolos. Na era moderna as novas idéias assumiram aspecto humanitário: o ‘livre exame protestante’, os ‘direitos humanos’ da revolução de 1789, a democracia perversa, como soberania de um direito humano agnóstico, que ignora o divino. Dizia Alexis de Tocqueville: “A revolução democrática é o fato mais contínuo, mais antigo, mais permanente que se conhece na história”. Falaremos portanto de Cerinto, Comenius e Steiner, para após reconhecer a voz dos poderosos profetas que nos nossos dias os continuaram; mas desta vez em nome da Igreja. O grão-mestre Cerinto, judeu de Antioquia, viveu no primeiro século de nossa era. “Sua doutrina marca a transição do judeu-cristianismo ao gnosticismo, presente na primeira época cristã. Estudara em Alexandria onde se imbuíra de idéias neoplatônicas e consequentemente de fábulas pagãs. Parece ter sido o primeiro a ensinar a doutrina do demiurgo, desenvolvida em seguida com amor pelos gnósticos. Por demiurgo entenda-se o grão-arquiteto do universo, o ordenador supremo do mundo.” “O heresiarca Cerinto, como chefe desses cristãos mal convertidos que eram os judaizantes, tentou fundir o judaísmo e o cristianismo. Em Antioquia foi visto sustentar com veemência, contra Paulo e Barnabé, a necessidade da observância da lei. Ao seu ver batismo e circuncisão são igualmente necessários. Aliás, o seu cristianismo não é mais que uma fachada. Julgue-se disso: Segundo ele, Jesus era um homem comum, filho não só legal mas natural de José e de Maria, que mereceu, no dia de seu batismo receber o Cristo ou Verbo*. Graças a esta união, Jesus pôde operar milagres, mas quando veio o momento da paixão, o Cristo (ou Verbo), incapaz de sofrer, separou-se de Jesus. Para o gnóstico Cerinto, de fato, o Cristo ou Verbo era um eon, isto é um ser intermediário entre Deus e o mundo material. No fim dos tempos, Jesus retornará à terra, unido novamente a Cristo, para reinar por mil anos como os reis deste mundo. Associados à este triunfo, os eleitos gozarão nesse tempo de uma felicidade sem a confusão da posse de todos os bens materiais e na satisfação de toda voluptuosidade sensual*. É o milenarismo judeu-gnóstico que sobreviveu à seita dos seguidores de Cerinto. “Na origem este erro era a conseqüência de outro. Tomando à letra certas profecias messiânicas, enquanto negligenciava outras, os Judeus esperavam um Messias que fosse um conquistador poderoso segundo o mundo, que restabeleceria o reino de Israel e garantiria o seu domínio temporal sobre todas as nações. Foi a razão porque a maioria dos Judeus recusou-se de reconhecer o Messias Jesus, o Salvador de Israel e do mundo, na pessoa do filho do humilde carpinteiro de Nazareth. Alguns, como Cerinto, acreditaram poder conciliar tudo imaginando duas aparições messiânicas, uma que já havia acontecido, a de Cristo Jesus, outra no futuro, reservada em princípio para o fim dos tempos, com o evento glorioso do Rei Messias. Esta seria conforme às expectativas gerais, e assim se cumpririam todas as profecias*. “O heresiarca foi combatido não só pelos santos Paulo e Barnabé, mas também por S. João Evangelista. Segundo seu discípulo, S. Policarpo e outros Pais, é a Cerinto e seus sequazes que o Apóstolo João se refere nas suas epistolas, quando diz, por exemplo: Todo espírito que não confessa que Jesus (como sendo o) Cristo veio em carne, não é de Deus; e nisto se conhece o Anticristo, de quem ouvistes dizer que deve vir; e já está no mundo.” (1 Jo 4, 3). Em breve, dos gnósticos judaizantes, como de outros hereges, tais como os valentinianos e os nestorianos, pode-se dizer que ‘dividiam Jesus Cristo, pretendendo ver n’Ele não uma mas duas pessoas, o que lhes permitia de desconhecer em Jesus de Nazareth o Filho do eterno Pai, o Verbo encarnado, o Salvador do mundo, enviado por Deus. “Lembremo-nos que na época em que o grande número de falsos profetas fazia dizer ao Apostolo João que o Anticristo, aquele que devia vir, já estava em algum modo no mundo, o Apóstolo Paulo escrevia à esse propósito aos Tessalonicences: ‘Sabeis bem o que é que retém agora [o filho da perdição], a fim de que ele não se manifeste senão a seu tempo. Porque o mistério da iniquidade já se opera, só aguardando para surgir, que aquele que agora o retém seja tirado do meio. Então se manifestará esse iníquo a quem Jesus Senhor destruirá com o sopro de sua boca, e aniquilará pelo resplendor de sua Vinda (II Ts 2, 6-8). Em vista da apostasia geral, qualquer pessoa que hoje lê estas palavras proféticas tem o direito de pensar que aquele que, dos tempos apostólicos até a usurpação da Sé de Pedro pelos homens do inimigo, sustava a aparição do Anticristo, era Pedro ou seu legítimo sucessor”. “Ora, encontraremos reflexos da doutrina de Cerinto na carta ‘Tertio millenio’ onde João Paulo II apresenta o Verbo como simples ordenador do universo, esquecendo aparentemente que pelo Verbo o universo não foi só ordenado mas criado ex nihilo. ‘Sem Ele nada foi feito – omnia per ipsum facta sunt, et sino ipso factum est nihil; Porque o Verbo era Deus (Jo 1, 1-3)’. “De qualquer modo, desde que impostores nos anunciam hoje um novo Advento, logo o evento de um outro Cristo, de um outro Deus, lembremo-nos das palavras do Senhor. É de importância vital: ‘Vigiai que ninguém vos engane… Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas; e farão grandes sinais e prodígios, de modo a enganar, até os eleitos (se possível). Eu vos preveni. Se pois vos disserem: eis que ele está no deserto (seja o do Sinai), não saiais; ei-lo no lugar mais retirado (como o antro das seitas), não deis crédito” (Mt 24, 5; 24-27). (La Voie, Myra Davidoglou, Paris, 1995).
Trata-se do “sortilégio” milenarista pelo qual cada bem espiritual e religioso deve ser reduzido a “bem” terreno, humano, social. Fábulas surgidas depois da Paixão de Jesus Cristo que remonta à época do heresiarca Cerinto. É o milenarismo judeu-gnóstico que sobreviveu à seita dos Cerintianos, cujo desvio segue visões, segundo o próprio juízo, de algumas profecias messiânicas, que previam a vinda de um poderoso Messias, que teria restabelecido o reino de Israel e garantido o seu domínio temporal sobre todas as nações; razão porque a maioria dos Judeus recusou de reconhecer Jesus como o Messias, Salvador do mundo.
“Com Valentino se chega ao ápice, à maturidade da gnose histórica. Egípcio, discípulo da escola alexandrina, era homem de grande cultura e conhecimento do mundo antigo. Ele havia seguido a concepção de seus precursores de um sistema com três mundos, divino […], intermediário e humano. A projeção valentiniana é repleta de emanações de pares eônicos, com dois Cristos operando no mundo intermediário e naquele humano, e também os demiurgos no número de três. Uma doutrina deveras fantástica trata sobretudo do ocultismo de antigos papiros egípcios atribuídos a Hermes Trimegistro, naquele tempo autor em voga nos círculos que hoje seriam ditos de intelectuais. É bom sublinhara que todos os mestres gnósticos – e Valentino não era exceção – atribuíam grande importância ao assim chamado “conhecimento intuitivo direto” da divindade, método de inspiração que procura o contacto com entidades “superiores” através da magia e da astrologia para obter revelações pessoais “sobre-humanas”. Para um cristão, habituado pelo Mestre divino a julgar a árvore de seus frutos, não há dúvida alguma que nos ambientes gnósticos fosse praticado ao invés o culto dos demônios. Com as viagens de Valentino a gnose aproou em Roma, onde Marcião, ele também homem de vasta cultura, com seguiu dar-lhe uma notável estrutura organizativa com igrejas e dioceses que sobreviveram a ele até o Vº século. A doutrina, embora mantendo as bases de gnose clássica, ou seja o panteísmo, o Deus-Tudo bom, o Demiurgo (o Deus mau dos cristãos, criador da lei e do homem), o docetismo, a iniciação através do “conhecimento intuitivo” e a magia, era enriquecida pela total recusa do Antigo Testamento, enquanto que entre os evangelhos, oportunamente censurados, era mantido só o de S. Lucas. E tudo misturado a uma boa dose de fanatismo (gnóstico).”
E assim, depois de incontáveis rebeliões, guerras e revoluções o ser humano chegou ao tempo moderno em que parece senhor do mundo, mas na verdade vive à beira de abismos fatais, com o risco de destruir a ordem natural, mas também mental, no campo pessoal como social. Mas a par de tudo isto, deve-se constatar que a influência dos mestres dessas liberdades mentais, da opção que desdenha, interpretando de muitos modos o aviso divino e a religião do mistério, atingem o auge do poder de suas idéias com a fórmula mais sintética: “ecumenista”. Isto será mais bem entendido conhecendo alguns pedagogos desse novo mundo que, justamente por representarem a pedagogia iluminada que tem toda a aparência de sabedoria arcana e tradicional, mas deriva de juízos revolucionários, evocam hoje a trama do sussurro original. Este propõe uma grande visão do bem para os homens que colherem da árvore do conhecimento do bem e do mal. Qual a característica desses “mestres”? Um conhecimento iniciático. Falaremos pois de Cerinto, de Comenius, e de Steiner, que inspiraram o jesuíta Teilhard de Chardin, grande inspirador do Vaticano II. Como se vê, uma linha de pensamento que vem do início do Cristianismo e aparece hoje como a grande inspiradora do ecumenismo de K. Wojtyla, pelo qual a idéia cristã só é portadora de paz se aceita as outras religiões. Todos estes autores propuseram, uns apos outros, o grande bem da união e da paz da humanidade, não na adesão à verdade divina, mas na liberdade de associá-la ou dispensá-la. Para melhor conhecê-los citaremos o livro de Epiphanius (Massoneria e sette segrete: la faccia occulta da storia, “Ichthys”, Albano Laziale, 2002, p. 53 ss.).
“O sumo pedagogo Jan Amos Comenius, herdeiro espiritual de Johann Valentin Andreae e porta-voz da Rosacruz, encarregar-se-á de pôr as bases do mundialismo modernamente entendido, traçando um projeto de sociedade alargada a todos os povos, um verdadeiro plano de ecumenismo político, com condições de apropriar-se de toda valência politico-religiosa através de uma reforma radical da sociedade humana. Jean Piaget, professor de psicologia da Sorbona, suíço, diretor do Bureau International d’Education da máxima sede cultural do mundo, a UNESCO, no prefacio de um livro sobre Comenius editado por ocasião das celebrações de 1957 do tricentenário da publicação em Amsterdã da Opera Didactica Omnia, nos dá a conhecer os fins que Comenius entendia perseguir através de seu programa: – unificação do saber e sua propagação graças a um sistema escolástico aperfeiçoado e posto sob a direção de uma espécie de academia internacional; – coordenação política por obra de uma direção de instituições internacionais com o fim de manter a paz entre os povos; – reconciliação das Igrejas na senda de um cristianismo tolerante. (“João Amos Comenius” 1592-1670. Páginas escolhidas publicadas aos cuidados da UNESCO; “A importância peculiar deste plano, para os fins de nosso estudo, é de saber que, salvo ajustes de forma nos sucessivos séculos, em especial no XIX° e XX° ele foi transferido pari passo para o nosso. Comenius é definido ‘apostolo da compreensão mundial’, ‘um dos primeiros divulgadores das idéias às quais se inspirou a UNESCO desde a sua fundação”: “Comenius deve pois ser considerado como um grande precursor das actuais tentativas de colaboração internacional no campo da educação, da ciência e da cultura: não concebeu tais idéias de passagem ou por acaso, as quais nesse caso concordariam de modo fortuito com uma ou outra realização atual, mas é em virtude da sua concepção sistemática geral, que funde num só todo a natureza, o trabalho humano e o processo educativo. Por isto a UNESCO e o Bureau International d’Education lhe devem o respeito e reconhecimento que merece um grande precursor espiritual” (ib., p. 33).
“Comenius nasceu na Morávia em 28.3.1592 de pais pertencentes à seita dos Irmãos Boêmios, que em 1575 mudou o nome para Irmãos Morávios depois da fusão com as igrejas hereges luterana e hussita. À eclosão da Guerra dos Trinta anos, falida uma tentativa de insurreição contra os Habsburgos em 1620, os Irmãos Morávios foram dispersos e perseguidos; em 1628 sob a direção de Comenius, que no meio tempo se tornara bispo, foram recebidos em Lezno na Pomerânia por ardentes partidários da Reforma. Ai Comenius escreveu parte de sua notável obra de pedagogia, ética e religião que lhe conferiu grande notoriedade junto às elites do tempo, a tal ponto que os príncipes o consultavam para reformar suas instituições. Nessa época Comenius foi convidado pela Fraternidade dos Rosacruz e começaram suas escursões européias. Esteve em Heidelberg, onde ‘o influenciou o milenarismo protestante que professava a possibilidade para os homens de atingir a salvação na terra’ (EB, 1975, IV, p. 967). Esteve em Londres, onde estreitou amizade com Francis Bacon, de quem admirava a obra, e com Robert Fludd, médico inglês imbuído da cabala hebraica, provavelmente Grão Mestre do ramo britânico da Rosacruz (a Rosacruz por volta de 1650 já era organizada poderosamente na Inglaterra), conhecido com o nome esotérico de ‘Summum Bonum’. Expulso do Pais em 1642, foi chamado à Suécia onde morou com o holandês Louis van Geer, um Rosacruz que tornar-se-ia o seu mecenas e protetor. Voltando à Polônia – depois do incêndio de Lezno em que perdeu manuscritos e bens – foi obrigado a expatriar – desta vez para os Países Baixos. Em Amsterdã foi recebido com grandes honras e o senado garantiu-lhe a publicação completa de suas obras (1657). Morreu nesta cidade no dia 15.11.1670.
Na base do conceito pedagógico de Comenius está o ideal da ‘pansofia’, isto é, de uma ciência universal e válida para todos os homens, por ela irmanados com uma inteligência e um amor comum para além de toda distinção religiosa e nacional” (Enciclopedia Treccani, VI Vol. Roma 1957, p. 587). Na verdade Comenius havia compreendido muito bem que modificações sociais no sentido desejado teriam firmado pé só em conseqüência de uma doutrinação controlada de todos os cidadãos desde a infância; nem se pode afirmar que sua herança espiritual, transmitida, adaptada e amplificada por pedagogos de fama come Pestalozzi (1746-1827) e Maria Montessori (1870-1972), tenha sido hoje perdida visto que ela marca de modo inconfundível a instrução obrigatória moderna. Maria Montessori foi a fundadora do método didático que tem o seu nome e foi difundido pela Sociedade Teosófica de H.P. Blavatsky, à qual a Montessori pertencia (cf. R. Guénon, ‘O Teosofismo” Ed. Artos 1987, Vol. II, p. 281). Fundada em 1875 pela ocultista russa, H.P. Blavatsky, a Sociedade Teosófica sob o pretexto iluminista do conhecimento universal, cultiva motivos luciferinos que não lhe são marginais, basta pensar que o fim declarado da Sociedade era «cancelar o Cristianismo da face da terra… expulsar Deus dos céus» (R. Guénon, op. cit., vol. I, p. 13), chegando a negar a historicidade de Jesus Cristo. O histórico maçom e martinista Pierre Mariel (morto em 1980, Le società segrete que dominano il mondo, Ed. Vallecchi. 1976), reivindica para a Rosacruz, a exemplo da secular continuidade ideal, as seguintes regras didáticas tiradas da obra de Comenius: 1) Mandar as crianças às lições públicas o menor numero de horas possível, para dar-lhes o tempo de fazer estudos pessoais; 2) Sobrecarregar o menos possível a memória. Fazer aprender a memória só o que foi bem entendido; 3) Regular o progresso do ensino segundo a idade e progressos escolásticos, Individualizar as lições; 4) Ensinar a escrever escrevendo, a falar falando, a raciocinar raciocinando. 5) E a regra de ouro: tudo o que será oferecido à inteligência, à memória, à mão, os alunos deverão buscar sozinhos, e descobri-lo, discuti-lo, fazê-lo, repeti-lo; o mestre limitar-se-á a guiar”. “Como se sabe a base de toda instrução é a memória: a falta da fixação dos conceitos, de seu concatenamento em ordem progressiva, à exceção daqueles adquiridos pela experiência direta, é gravemente limitativa para a inteligência e dispersiva de suas potencialidades. Desse modo o estudante acumula lacunas, perfaz uma preparação fragmentária que o conduz a privar-se das capacidades de corretamente escrever na própria língua, ou logicamente raciocinar, ou mesmo abstrair. “O pensamento de Comenius é de extraordinária atualidade pois é a chave que fornece a explicação sobre a proveniência da hodierna ‘cultura de massa’, ministrada do nível elementar à universidade: basta pensar no despropósito das “pesquisas”, que em nome do estudo pessoal empenham os alunos em simples cópias, depois de ter abandonado os exercícios de caligrafia, o estudo sério da gramática e da análise lógica e em geral das disciplinas que implicam procedimentos rigorosos para obrigar a mente a seguir esquemas ordenados e sistemáticos. Estes são substituídos, no meio de tantas outras doutrinas igualmente experimentais, por estruturas de ‘crescimento democrático’ como os conselhos de classe planejados como modelos de discussão, descoberta, pesquisa; de formas como a escola a tempo pleno, verdadeira alienação dos filhos em relação às famílias, da educação sexual, instrumento institucional de degradação moral da juventude, e mais em geral por matérias fúteis, de pouco valor, que subtraem tempo precioso à disciplinas fundamentais.” Eis o juízo de N. Murray Butler sobre a pedagogia comeniana: “o lugar de Comenius na historia da instrução é, pois, de uma importância determinante. Ele inovou e dominou todo o movimento moderno no campo da instrução elementar e secundaria. A sua relação com o nosso tempo é como o de Copérnico e Newton com a ciência moderna, de Bacon e Descartes com a moderna filosofia”. (The Place of Comenius in the History of Education”, Syracuse, 1892 no opúsculo «Jan Amos Komensky di Otar Odlozjlik, ed. Czechoslovak National Council of América, Chicago 1942).
Panorthosia (1644): Na sexta parte da ‘De rerum humanarum emendatione Consultatio catholica”, Comenius concebeu um sistema coerente, racional, pragmático com estrutura de respiro planetário ao longo do qual inscrever seus projectos de reforma do sabor e da educação, através da criação de uma academia mundial, o ‘collegium lucis’ – espécie de ministério internacional da educação para a unificação do saber – de uma língua universal em substituição do latim, então vigente, para favorecer a sua realização, de um consistório mundial das religiões que tendesse a um abraço sincretístico destas em nome de uma humanidade comum, enfim de um tribunal da paz, espécie de corte de justiça internacional, que vigiasse sobre o bom funcionamento dos dois primeiros organismos prevenindo guerras e todo desvio. O já citado Pierre Mariel é autor da tese da não originalidade da Panorthosia, que deveria ser incluída apenas como simples manifesto da Rosacruz à qual Comenius teria emprestado só o nome e conhecimentos, enquanto foi o porta-voz, o relator de uma comissão de Sábios cujos membros ficaram voluntariamente à sombra (Pierre Mariel, op.cit., p.29)
O mundialismo religioso – “Na Panorthosia – do grego pan=tudo, universal, e orthós=reto, justo – Comenius expõe fielmente o pensamento rosacruciano evocando conceitos e idéias da ‘República’ de Platão, do socialismo utopístico da ‘Civitas solis’ de Campanella (1568-1639), inspirando-se nas ‘Colônias de Jerusalém’ de J. Arndt (1555-1621), na ‘República Cosmopolita’ de J. V. Andreae, além disso na incompleta ‘New Atlantis’ de Francis Bacon (1561-1626), obras que idealizavam Estados fundados no comunismo mais intransigente, mas nem por isto fechado às religiões ou heresias, que, ao contrário, seriam reunidas na síntese superior de uma visão panteística da natureza. Isto revelava uma concepção gnóstica do homem. Um rápido exame de alguns estratos permitirá ao leitor colher em toda a sua concretude a articulação do plano de subversão da ordem católica, que deveria ser substituída por outra com cujo esquema padrão seria possível partir para a conquista do mundo. Eis a lúcida exposição dessas idéias sinárquicas: 1. Um concêlho cultural internacional, que fixe a doutrina dos novos dogmas no âmbito da CULTURA; 2. uma igreja universal que, englobando a de Pedro, transmita fielmente a doutrina elaborada no âmbito da RELIGIÃO; 3. um tribunal da paz que imponha o respeito da doutrina transmitida no âmbito da POLITICA ( ib. p. )”
Esta pedagogia anti-cristã adquiriu com as revoluções modernas o poder para mudar o modelo universal nas consciências humanas, mas lhe faltava ainda o conteúdo que representasse um sincretismo doutrinal global. A Teosofia tentou elaborá-lo, mas em vão. Um seu grande herdeiro dará um outro passo em frente.
Rudolf Steiner foi esse ‘mestre’. “Homem de qualidades intelectuais excepcionais, pedagogo prodigioso e fertil escritor, dirigiu a Sociedade Teosófica na Alemanha onde fundou em 1902 a revista Lucifer, que em 1904 assumiu o titulo de Lucifer-Gnosis. Segundo os seus biógrafos Steiner teve um ‘Guia’ que Edouard Schuré, o famoso teósofo e filosofo protestante francês (esoterismo heleno-cristão: da Esfinge a Cristo e… de Cristo a Lúcifer, inspirador de Teilhard de Chardin), no seu ‘Os Grandes Iniciados’, descrevia assim: «O Mestre de Steiner era um daqueles homens poderosos que vivem sob a mascara de um qualquer estado civil, para cumprir uma missão que só é conhecida pelos seus pares». Rudolf Steiner partiu da Teosofia de Mme. Blavatsky, que tinha por programa a Fraternidade Universal na síntese do conhecimento. A Teosofia seria a teoria do campo unificado do espírito universal, como a Teoria de Einstein para o campo físico. Trata-se de uma gnose que reivindica entre os seus iluminados não só o neo-platônico Eckhart, mas as santas Gertrudes, Ildegarda, Catarina de Sena, Agostinho, Francisco de Assis e Francisco de Sales. Steiner escreveu também sobre S. Tomás de Aquino. Eis alguns nomes famosos da época que foram atraídos por esta iniciação ao mesmo tempo hermética e esotérica: Edison, Mondrian, Scriabin, Yeats, Gandhi, George Russel, Bernard Shaw, Annie Besant, Aldous Huxley, Fernando Pessoa, etc. Este último traduziu a Blavatsky e, escreveu então a um amigo: ‘Se observas que a Teosofia, porque admite todas as religiões, tem um caráter inteiramente semelhante ao paganismo, que admite no seu Pantheon também todos os deuses, perceberás o segundo fator da grave crise de minha alma. A Teosofia me terroriza com o seu mistério. É o horror e a atração do abismo realizados no além alma. Um espanto metafísico, meu caro’ (A Voz do Silêncio, Ed. Civilização Brasileira, Rio, 1969). Pessoa morreu prematuramente com 47 anos. A sua inquietude existencial levou-o ao alcoolismo e este à morte. Internado devido a uma cirrose aguda, sabia que seu estado era crítico ao ponto que bastaria um copo para morrer. Bebeu esse copo e foi encontrado morto no dia seguinte. Mas voltemos a Steiner, que foi além da Teosofia e remontando a um certo panteísmo de Goethe, chegou a uma nova síntese religiosa: a antroposofia, que pretende ser um conhecimento supra-sensível e completo do mundo e do homem inserido no universo, abrangendo não só as religiões em geral, mas aquela que condenou a Teosofia (Dz 2189). Apontou para um novo cristianismo, que não exclui os sacramentos, mas nem a reencarnação. Steiner acreditava-se Pitágoras reencarnado; acreditava no retorno da mente para melhor compreender e explicar o homem, nos seus impulsos e energias, quer religiosos quer revolucionários. A mente humana seria capaz de atingir a sabedoria para discernir todo segredo sobre si e o universo. “Steiner, fascinado pela idéia da renovação do cristianismo à luz do budismo esotérico, enquadrou o seu movimento diretamente sobre o esoterismo cristão, acusando a Igreja Católica, como o fez Péladan, de ter traído a sua missão deformando a mensagem inicial do fundador, e assim auto-condenando-se a um rápido desaparecimento, que só a Antroposofia (por ele ideada) podia substituir, renovando os seus conteúdos. Assim Cristo, segunda Pessoa divina para os católicos, na Antroposofia torna-se o personagem capaz de equilibrar e temperar o ardor de Lúcifer, de um lado, e a mente fria do demônio Arimã do outro”(ib). A influência steineriana na Igreja operou-se através de alguns discípulos e admiradores. Um dos mais famosos foi o jesuíta maçom Teilhard de Chardin; depois os autores secretos do Vaticano II, especialmente da Ur, Lg, Gs, Nae e Dh; hoje Karol Wojtyla. Todos são reconhecíveis pelos seus frutos, que se revelam de sabor fortemente panteístico e sincretístico. A Antroposofia, que a Igreja inclui na mesma condenação da teosofia, conseguiu contagiar muitos de seus membros, cujos pensamentos vagavam à procura de uma “síntese intangível”. Ultrapassando todos os limites das censuras eclesiásticas, essa leitura avança na onda de uma convicção olímpica de quem tudo compreendeu. Sem temor, colhe-se em modo impertérrito da árvore do conhecimento do bem e do mal. Steiner comenta os quatro Evangelhos e o Apocalipse explicando tudo sem hesitação, a verdade sobre os dois meninos Jesus: “temos pois duas histórias de Jesus de Nazareth antes que ele acolhesse em si o Cristo”. E tudo remonta às narrações oriundas de arcanas religiões orientais. “Krishna: nome que resume efetivamente algo que estende a sua luz na evolução espiritual da humanidade através de muitos milênios”. Maitreya-Buda e Hermes-Mercúrio ligam-se aos nomes de Zarathustra e Moisés. “As diversas doutrinas trazidas aos homens por Buda, Zoroastro… para fundar a Fraternidade universal… o objetivo que antes era conhecido somente por poucos iniciados”… com o tempo e a aparição de novos iniciados, iria iluminar o patrimônio de conhecimento da inteira família humana. A “grandiosa figura de Judas dos últimos capítulos do Antigo Testamento – e a figura de Judas do Novo Testamento… nas suas sucessivas reencarnações (Judas encarna a sensualidade humana, e realiza a fusão do elemento romano com aquele cristão)”, tudo é recuperado e explicado. “Depois que Cristo, o qual trazia em si o Espírito universal da humanidade, teve sua obra completada na Terra, formando uma unidade perfeita de vida espiritual no mundo, só então se tornou possível que a faculdade de falar no sentido deste Cristo-Impulso, surgisse nos corações… se tornasse parte consubstancial do mundo espiritual… princípio da evolução cristã… no espírito de liberdade… primeira Pentecostes cristã”.
O novo estado de consciência da civilização moderna. Um ‘profeta iluminado’ do processo para uma nova ‘fé’, para um cristianismo diverso foi o ex cônego Roca (1830-1893) convertido às Sociedades Secretas, verdadeiro precursor dos tempos de Teilhard de Chardin: “A humanidade, na minha visão, confunde-se com Cristo num modo tão real que os místicos não o poderiam ter imaginado até os nossos dias. Se o Cristo-homem é, como Verbo Encarnado, o único Filho de Deus, Ele é pois também o inteiro Universo e, sobretudo, toda a Humanidade em caminho… e o que se prepara na Igreja Universal… é uma evolução. O que a Cristandade [nova] quer mudar não é um pagode, é um culto universal em que todos os cultos serão encorpados… Do momento em que parecerá aos olhos de todos que a nova ordem provenha da velha, do velho papado, os velhos sacerdotes renunciarão a esta de boa vontade diante do Pontífice e dos futuros padres, que serão aqueles do passado, convertidos e transfigurados, em vista da organização do planeta à luz do Evangelho [novo]. E esta nova Igreja, mesmo se não deve conservar nada da disciplina escolástica e das formas rudimentares da velha Igreja, receberá do mesmo modo de Roma a consagração e a jurisdição canônica. Creio que o culto divino, assim como a norma da liturgia, a cerimonia, o rito e os preceitos da Igreja Romana, sofrerão proximamente num concilio ecumênico uma transformação que, restituindo-lhe a venerável simplicidade da idade do ouro apostólica, o colocará em sintonia com o novo estado de consciência da civilizarão moderna.”
Foi Teilhard de Chardin, com a sua muito difundida ficção inspirada num “evolucionismo teológico” de orientação herética, a elaborar esse pensamento das renovadas pentecostes, apresentada como a idéia católica projetada no futuro! A fé na humanidade que evolve para a sua divinização é a fé dos utopistas, sejam eles agnósticos ou cristãos, para quem todas as religiões, todas elas, são boas se servem a esse plano grandioso. Desta fé foi profeta o Jesuíta Teilhard de Chardin, que, como paleontólogo, foi acusado junto a Dawson (que suicidou-se), da fraude do crânio de Piltdown (J. S. Weiner, The Piltdown Forgery, Oxford, 1955; S. Y. Gould, Natural History rw., NY). A divindade de Teilhard consistia na matéria espiritualizada. Com suas elucubrações futuristas aplicadas à religião, Teilhard batizou, por assim dizer, o evolucionismo e projetou um “Super-Cristo” no futuro dos homens: “O Deus cristão do céu e o deus marxista do progresso unificando-se na figura de Cristo”. É o grau extremo de utopismo engendrado pelo espírito de um evangelho igualitarista, coletivista e humanitarista, caldo de cultura da socialização a ser inoculada na Igreja pelos seus próprios clérigos. “Este jesuíta vê tudo em chave darwiniana [e steineriana]: para ele o universo, visto como matéria da qual o homem seria o pico evolutivo, tenderia, na sua natural evolução, para um ‘ponto ômega’ que representaria o encontro entre a matéria e Deus, visto, este ultimo, como uma espécie de alma universal que acabaria por unir a miríade material num complexo super-individual que seria o Cristo cósmico, ponto de chegada da evolução” (juiz Carlo Alberto Agnoli, ‘Donde viene e dove ci porta il Conc.Vaticano II’, ‘Chiesa Viva’ n.168, novembro 1986). Tudo sucede na linha de uma vaga antroposofia. Come é possível? Deve-se reconhecer que há na visão steineriana o fascínio de um saber iniciatório superior. Ela desenvolve-se com harmonia e segurança num labirinto de mistérios (que nos eram velados!) explicados e postos ao alcance geral. Os particulares herméticos são entremeados por observações práticas singelas, e tudo, da exegese bíblica até a descrição dos ciclos revolucionários, é exposto sem a menor controvérsia, na direção de uma pacata grande síntese universal. que recolheu, harmonizou e completou uma cadeia de intuições dos diversos tempos, em sintonia com os grandes ciclos vitais da história, não só humana mas do universo. E tudo seria completado com a Pentecostes do Vaticano II; tudo ensinado como uma renovada revelação, um eterno retorno, a serpente que morde sua cauda, os ciclos seculares do progresso indefinido, e os nomes que representam entidades pluri-pessoais de múltiplas reencarnações. Qual é a verdadeira novidade, o fulcro destas orientações espirituais que a Igreja condena? É o espírito sincretista das renovadas pentecostes e das novas revelações para a paz: o espírito que levou ao Vaticano II e ao Pantheon de Assis e às outras iniciativas de João Paulo II. Ora, toda idéia religiosa autêntica parte da contraposição fundamental entre bem e mal, criação e destruição, fidelidade ou infidelidade à lei, à verdade. No evangelho hinduísta do Bhagavad-Gita o deus Krishna incita o guerreiro Arjuna a fazer o próprio dever enfrentando a guerra contra os próprios parentes e amigos e lhe ensina a imperturbabilidade mística do Yoga, a fé confiante e o amor que se oferece na luta pelo bem; o homem liberado do mal atinge então a paz na sua alma, que o fará entrar na paz eterna do Senhor após a luta, que é a agonia religiosa simbolizada pela guerra, mesmo se é a pacífica luta interior. Uma visão religiosa secular certamente mais autêntica que o sincretismo conciliar modernista. O peculiar da utopia sincretista é a apologia da falsa paz que visando a reconciliação global, também das opostas religiões, demonstra-se privado até do senso religioso natural. Eis a falsa sabedoria da Teosofia, da Antroposofia e das lojas. Não diverso é o espírito conciliar, cujo larvado sincretismo não opera só no campo religioso, mas global, incorporando qualquer categoria e ideia, mesmo opostas, até revolucionárias. Todas almejam aquela grande Fraternidade universal, que seria estranha só a Jesus Cristo; uma fraternidade sem a autoridade do Pai, uma unidade sem o amor do Filho, uma verdade sem o poder do Espírito Santo. Mas os novos profetas vieram para completá-Lo; Recuperar as intuições de Judas Escariote. Concluir o pacto da aliança total que Cristo não fez, superando-O em prudência e bondade, e a Sua Religião com a sabedoria e globalidade de uma nova pentecostes!