NON PERFICITUR SACRAMENTUM: A VERDADE SOBRE A MISSA NOVA

Julho de 2009

Estudo sobre a validade e liceidade da “celebração eucarística” dos “cristãos reformados”.

Dr. HOMERO JOHAS
 

DOUTRINA CATÓLICA
 


Os defeitos de forma

“Os defeitos por parte da forma podem ocorrer se falta alguma coisa das que são requeridas à integridade das palavras (“ad integritatem verborum“) na consagração. As palavras da consagração que constituem a forma (“quae sunt forma“) deste Sacramento são estas:


“HOC EST ENIM CORPUS MEUM.” E: “HIC EST ENIM CALIX SANGUINIS MEI, NOVI ET AETERNI TESTAMENTO: MYSTERIUM FIDEI: QUI PRO VOBIS ET PRO MULTIS EFFUNDETUR IN REMISSIONEM PECCATORUM.”



Se alguém diminuir ou mudar alguma coisa sobre a forma da Consagração do Corpo e do Sangue e na mesma mutação das palavras os termos não tiverem a mesma significação, não realizaria o Sacramento. Se porém alterasse alguma coisa que não mudasse a significação, realizaria o Sacramento mas PECARIA GRAVISSIMAMENTE (“GRAVISSIME PECCARET”).


— Rubricas do Missal Romano restituído por Decreto do S. Concílio de Trento e editado por ordem do Pontífice Máximo São Pio V e reconhecido pelo cuidado de outros Pontífices —
 

* * *
  1. A Natureza do Sacramento
    “O tremendo e santíssimo Sacramento da Eucaristia”, como o denomina o Concílio de Trento, é em sua instituição e em sua realização cotidiana uma obra que tem por causa eficiente principal o próprio Jesus Cristo: é um “opus Christi”. Por essa razão, como ensinaram os Papas e os Concílios, nem mesmo a própria Igreja Católica possui o “jus innovandi”, o “direito de inovar” qualquer coisa a respeito da substância do Sacramento:
 
 
“Ecclésiae mínime compétere ius circa ipsam sacramentorum substantiam quidpiam
innovandi”….

Nem o próprio Sumo Pontífice tem poderes para isso, e, se por acaso inovasse qualquer coisa nesse ponto, além de cometer um ato ilícito e pecaminoso, instituiria um “sacramento” falso, humano, ineficaz, ofensivo ao Mestre Divino.

A substância do “Sacramento dos Sacramentos” instituída por Cristo completa-se por coisas sensíveis: determinada matéria e “determinata forma verborum”, determinada forma de palavras. Uma forma sem identidade com a “determinada” por Cristo, deixa de ser princípio integrante do sinal da presença de Cristo: este passa a ter o “vício da falsidade”, a ser um “sacramento” falso. Por analogia com os atos humanos, se alguém determinasse a senha quatro para a identificação de um seu enviado, daria sinal falso quem se apresentasse com a senha “quatro mais dois” ou então “quatro menos um”.

O canal da Revelação divina pelo qual a Igreja sabe da forma dos Sacramentos é especialmente o da Tradição. Os protestantes, restringindo-se à Bíblia, por isso mesmo, negam a maioria dos Sacramentos. São Dionísio, entretanto, relata-nos que nos primórdios do Cristianismo, em razão dos infiéis, era necessário que fossem ocultas as formas dos sacramentos.

“Os Evangelistas não tinham a intenção de referir as formas dos sacramentos”, diz o Doutor Angélico. E falando especificamente sobre a forma da Eucaristia, relembra-nos Inocêncio III, em 1202, que os Evangelistas omitiram muitas palavras e fatos da vida de Cristo, os quais os Apóstolos supriram pela sua própria palavra ou ato. Qual fosse a Tradição católica sobre “a forma deste sacramento” refere-nos, em 1439, o Concílio de Florença declarando que são as “palavras do Salvador” — as “verba Salvatoris” sempre usadas pela Igreja. A determinação precisa dessa Tradição quanto às “palavras do Salvador”, mais tarde, em 1442, o mesmo Concílio a deu ao mundo cristão. São elas:
 
 
“Hoc est enim Corpus meum”.
 
“Hic est enim Cálix Sánguinis mei, novi et aeterni testamenti, mystérium fidei,
qui pro vobis et pro multis effundetur in remissionem peccátorum”

E a Bula papal explicita a fonte da Tradição divina:
 
…”Apostolorum Petri et Pauli doctrina et auctoritate
fírmata”…
 

…”ela está firmada na doutrina e na autoridade dos
Apóstolos Pedro e Paulo”…
 
E acrescenta:
 
“a Igreja Romana… sempre costumou usá-la”.

“Romana Ecclésia… semper uti consuevit”.

Afirma-se portanto o fundamento apostólico da Tradição perene. Mostrado assim este fundamento pelo Concílio, conclui-se que nem à Igreja, nem ao Papa é lícito fazer adições, subtrações ou substituições nos termos pertinentes à forma do Sacramento. Por certo não seriam mutações da forma, nem materiais, as mudanças dos sons exteriores correspondentes aos termos orais das várias línguas e nem as relativas aos sinais gráficos dos vários alfabetos, mas sim as alterações quanto aos conceitos, aos termos mentais usados por Cristo. Alterações formais da forma seriam, conservando-se os termos da Tradição, as mudanças quanto ao sentido em que foram empregados por Cristo e pela Tradição. Estas alterações são as mais sutis, as menos perceptíveis à primeira vista, porém são as que alteram a Fé substituindo o “sensus verborum” “devido” e “determinado” por outro não-devido, diferente. São os dogmas de Fé católicos que explicitam o sentido determinado das palavras da forma e eles foram expostos principalmente pelo Concílio de Trento.

Não é lícito apor qualquer coisa quanto ao sentido — “quantum ad sensum”, diz o Angélico. “Se um sentido fosse contrário à Fé, diz alhures, por conseqüência, tiraria a verdade do Sacramento”. E ainda: “um outro rito… não recebido pela Igreja, não parece realizar o Sacramento”, “non videtur pérfici sacramentum“.

Isto, evidentemente, vale para qualquer escalão da hierarquia, mesmo o supremo, em relação à substância do sacramento.

2. A Verdade em Relação ao Sinal
 
Nem mesmo outras “palavras do Salvador” é lícito adicionar à “forma devida”: “Hoc esset vítium falsitatis” — Também “isto seria vício de falsidade” diz o Angélico. A identidade com a “forma determinada” deixaria de existir. Por conseguinte as adições de palavras de Cristo tais como:
 
 
“Tomai e bebei todos vós…”
“Tomai e comei todos vós…”
 
e de outras palavras de Cristo incidem neste vícioNo caso, estas palavras supõem o Sacramento já realizado e referem-se ao uso do sacramentoA adição indiscrimina a forma do “opus Christi” da obra do ministro, não distingue as palavras da Causa Primeira e as da causa segunda. Mesmo se não fossem consideradas de necessidade da forma, mesmo assim, o modo pelo qual se colocam e a causa final porque são colocadas resultam em indiscriminação. E tal efeito, máxime se perante contextos equívocos, favorece um sentido não ortodoxo, é “favorecedor dos hereges” — “favens haeréticis” —, “suspeito”, “pernicioso”, “derrogante da verdade católica” como o declarou Pio VI, em 1794, em caso semelhante, a respeito da “transubstanciação”. A indiscriminação não determina de modo claro o sinal e sinal ambíguo é ocasião de erro — “occásio fallendi“.

Mas, não só a adição, também a subtração e a substituição de termos constituem fratura da forma. O Doutor Angélico estudando a forma da consagração do vinho traz esta importante afirmação sobre ela (menos o termo “enim”):
 
“Deve-se dizer, portanto, que todas as palavras acima
referidas pertencem à substância da forma”.

“Dicendum est ergo quod ómnia praedicta verba sunt de
substantia formae”.

Assim, a locução “mystérium fidei”, por esse Doutor da Igreja, pertence à substância da forma. Ora, referindo-se a “mutações” na forma, assim raciocina o Angélico:
 
 
“é necessário considerar se por tal mutação é tirado o devido sentido das
palavras: pois assim é manifesto que tira a verdade do Sacramento. É manifesto,
entretanto, que se diminua alguma das coisas que pertencem à substância da forma
sacramental, tira-se o devido sentido das palavras e portanto não é realizado o
sacramento — “non perfícitur sacramentum”.

O encadeamento do raciocínio é lógico e patente. A subtração do “mysterium fidei” é subtração de “algo pertencente à substância da forma”. A diminuição desses termos, diminui o “sentido devido” da forma. E se tal ocorre: “non perfícitur sacramentum“. A conclusão é grave. Analisemos pois algumas das mutações materiais e formais introduzidas pelos novos ritos.

3. A Extensão do Mistério
A pertença do “mystérium fidei” e dos demais termos à substancia da forma não é arbitrária no Doutor Angélico: é a Tradição quem a ratifica e é o Magistério papal-conciliar do Concílio de Florença quem a declara. Mas existe ainda o Magistério específico do Papa lnocêncio III incluindo esses termos na “forma verborum” que “o próprio Cristo usou” quando instituiu o Sacramento:
 
“quam ipse Christus expressit”.

Ora, é óbvio que a subtração desses termos diminui o sentido devido da forma: são termos altamente significativos, exprimem “in recto” a essência do “Cálice” do Sangue de Cristo. Se forem “retiradas do contexto das palavras de Cristo” como o declara ter feito a Constituição Apostólica Missale Romanum, elas deixam de determinar o Cálice em sua natureza. Deixam de ser proferidas in persona Christi para serem ditas in persona ministri. A causa deixa de ser divina para ser humana quanto à prolação desses termos. A causa formal do Sacramento é alterada. E também a causa final: tais palavras “deixam de ser dirigidas à matéria corporal presente e, portanto, não realizam o Sacramento”.

O novo rito dirige-as ao povo, em modo meramente narrativo (“Eis o mistério da fé”) e não mais como forma que se vincula à matéria por força divina. Mais ainda: o sentido integral do sacramento é profundamente alterado e de modo herético: “Tudo isto é mistério da fé”. A extensão do “mistério de Fé”, pela mesma Fé, não é universal, não atinge a realidade da presença de Cristo, não atinge a “Tudo isto” que ali se realizou.

Essa afirmação naquele momento é “derrogante da Fé”: a extensão do mistério é ali particular, refere-se apenas ao modo pelo qual se dá a presença. A alteração, pois corrompeu, gravemente a forma e o sentido dos seus termos. Segue-se, pois, a conclusão do Angélico: “non perfícitur Sacramentum”.

4. Simplesmente Narração Comemorativa
 
Os novos ritos adicionam à forma sacramental o texto referente à memória de Cristo. Embora sejam palavras do Salvador, elas encerram um sentido não pertinente diretamente à realização do Sacramento, mas sim ao uso do Sacramento realizado, à lembrança lateral e distinta da realização, embora possa ser simultânea a ela. Tal lembrança não é causa do sacramento e por isso a Tradição e o Magistério do Concílio florentino não a incluem na forma sacramental. Se incluídas entre as palavras ditas “in persona Christi” na Missa, acarretam um “vítium falsitatis” em relação a identidade do sinal. E esse vício parece não ser apenas materialmente, mas também formalmente: entende conferir sentido memorial à forma, sentido narrativo. Isto deflui de contextos externos que adiante veremos e de análise interna. No Canon milenar a proposição manifesta a distinção entre a ação sacrifical (“Todas as vezes que isto fizerdes”) e a lembrança a ela anexa (“fazei-o em memória de mim”). Tal distinção é obscurecida na proposição reduzida (“Fazei isto em minha comemoração”). Não basta que estas palavras sejam também reveladas: as do contexto do Canon eram mais explícitas. Trocou-se ainda aí a palavra “memória” por “comemoração”, no texto latino. Sem dúvida que em certo sentido podem ser sinônimas e como tal foram usadas na própria Escritura. Entretanto, neste caso, “comemoração” tem sentido mais referente à essência do ato ou à sua causa final, enquanto que memória adapta-se melhor ao “modus faciendi” lateral ao ato, sendo, pois, mais próximo do que entende a Fé católica.
 

E para que não se diga que são considerações subjetivas abra-se a “Institutio Generalis” colocando a forma da consagração com a natureza de “narratio institutionis” “narrativa da instituição” e também leia-se o Nouveau Missel des Dimanches, editado em França, em 1973, sob os cuidados da sua Conferência Episcopal (p. 383) com este:


“rappel de foi Indispensable”…: .. .”II s’agit simplement de faire memoire
de l’unique sacrifice déjà accompli”.
 
São contextos, entre outros, que se ligam entre si. O sentido narrativo já foi dado às palavras “mistério da fé” e estendido a toda a consagração. Aqui se introduz a “comemoração” dentro da forma. O próprio fato da mutação mostra a intenção do: simplement memoire até hoje tolerada passivamente pela Santa Sé. Portanto, pode-se supor que além da mutação material ilícita, há também aí a mutação formal do sentido da forma. Por ambas as razões, mais uma vez: “non perficitur sacramentum”.
  1. A Extensão da Salvação
    Às inovações do novo “Ordo”, as Conferências Episcopais adicionaram outras. No Missal, sob a responsabilidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, substituíram-se na forma da consagração do vinho as palavras “pro multis” pelos termos “por todos os homens”. Materialmente e formalmente contraria-se a Tradição e o Concílio de Florença. Além de Tradição oral, aqueles termos são também da Revelação escrita, estão em São Mateus. Não basta que os novos termos também sejam da Revelação: isso não é suficiente para que pertençam ao sinal, à forma do sacramento. Dentro da forma, a alteração é arbitrária, humana, ilícita, violadora do direito de inovação. O sentido da Tradição e de S. Mateus é o relativo à aplicação do Sangue de Cristo produzindo um efeito eficaz em ato; é um sentido particular. Isso explicou o Tridentino. Esse é o sentido em que a forma foi instituída e somente esse portanto pode ser proferido in persona Christino momento da consagração. A substituição altera o sentido particular em ato para o sentido universal em potência. Isso na exegese mais benigna, pois, por contextos fortes em o novo “Ordo”, não fica excluída a insinuação do sentido de uma salvação final extensiva a todos os homens, o que está dentro dos contextos das heresias do Modernismo. Por mais essas razões materiais e formais, portanto, o “sensus verborum” é alterado e assim “non perficitur sacramentum”.
  2. A Substância da Forma Sacramental
    Um duplo aspecto podemos distinguir na forma sacramental: a quantidade de termos que necessariamente a integram e o sentido em que esses termos são usados. Pio XII conceituou o que se deve entender por substância dos sacramentos: “aquelas coisas que, pelo testemunho dos Apóstolos, o próprio Cristo estabeleceu que devem ser observadas no sinal sacramental”. Ora, o Concílio florentino e Inocêncio III, explicitam qual é esse “testemunho dos Apóstolos”. Esse Concílio nos dá os termos da fórmula e o Concílio Tridentino explicita-lhes o sentido. Isso basta.

Poder-se-ia encerrar aqui este assunto pois os testemunhos acima são mais que suficientes para esclarecer a questão. Contudo queremos analisar o pensamento do Doutor Angélico mais de perto. Já vimos o Santo Doutor declarar: “ómnia praedicta verba sunt de substantia formae” referindo-se à forma explicitada posteriormente em Florença.
Contra a posição adversa traz o Angélico o fato: “a Igreja, instruída pelos Apóstolos – “ab Apostolis instructa” – usa esta forma na consagração do vinho”. Ele mostra que todas as palavras da forma ou são da Escritura (Lc 22,20; 1 Cor 11,25; Mt 26,28) ou da “Tradição do Senhor” — “ex traditione Domini”, vinda à Igreja pelos Apóstolos, segundo a afirmativa de S. Paulo: “Recebi do Senhor o que vos entreguei” (1 Cor 11,23).
 
Ele, portanto, mostra a necessidade de toda a forma: “tudo o que se segue é determinação do predicado… pertence à mesma sentença ou significação. E porque, como freqüentemente foi dito, as formas dos sacramentos têm eficácia pela significação, o todo pertence à força efetiva da forma”:
 
 
“Et quia formae sacramentorum significando efficiunt, totum pertinet ad vim
effectivam formae”.
E acrescenta contra os que julgam “serem suficientes para a consagração quaisquer formas de palavras que sejam proferidas: “Mais provavelmente, entretanto, parece ser dito que a consagração realiza-se somente por aquelas palavras as quais a Igreja usa, instruída pela Tradição dos Apóstolos:
 
“illis solis verbis perfícitur consecrátio quibus Ecclesiae útitur ex
Traditione Apostolorum structae”.
E dá outras razões da sua posição: “o sangue consagrado separadamente representa especialmente a paixão de Cristo pela qual o sangue se separou do corpo”, por isso “foi necessário exprimir a força da paixão de Cristo”.
  1. Afonso Maria de Ligório, embora admita a posição de S. Boaventura e outros quanto à eficácia da forma “essencial”, contudo, demonstra a insegurança de tal posição:
 
“Se o sacerdote dissesse somente as primeiras palavras,
deveria, sob condição, repetir a forma íntegra”.
 
Afirma, entretanto, resolutamente a grave iliceidade da mesma posição:
“É certo que pecaria gravemente o sacerdote se não proferisse todas as palavras
que na consagração do Cálice são ditas”.
Mas, não são apenas esses Doutores da Igreja que assim falam. São do Papa Inocêncio III estas palavras que exprimem a fé católica no assunto:
 
“É de nossa fé (“crédimus”) que a forma de palavras tal como se encontra no
canon (“sicut in Canone reperitur”) não só os Apóstolos receberam de Cristo,
como também os seus sucessores receberam-na deles próprios”.
O “todo”, portanto, que está na forma do Canon, vem “de Cristo”, “pelos Apóstolos”, pertence à “força efetiva” transubstanciadora da forma. Por certo pela parte “Hic est calix sánguinis mei” é significada a mudança da matéria presente. Mas a determinação do Sangue em que se converte o vinho é essencial à natureza do Sacramento embora seja distinta da “res” que é o Sangue de Cristo. Sem a “forma visível” (“sacramentum et non res”) não se realiza a verdade da presença do Corpo e Sangue de Cristo (“sacramentum et res”).

7. Mudanças no Sentido das Palavras
 
Entretanto, a argumentação sobre a não validade da forma do Sacramento em o novo rito, não se condiciona à aceitação ou não da forma integral ou reduzida como necessária. Mesmo supondo o efeito válido apenas com a parte inicial, a ruptura da Tradição apostólica neste ponto seria ilícita, cismática e, portanto, gravemente pecaminosa (“gráviter peccaret”) quer para os autores do novo rito, quer para o Sacerdote que a ele aderisse. Em tese, nesse caso, salvar-se-ia a validade, não a liceidade. No caso concreto dos novos ritos, entretanto, parece ser de evidência que nem mesmo nesta hipótese a validade da realização do sacramento deve ser admitida. Isso porque, segundo o Angélico “as formas dos sacramentos têm eficácia pela significação”, e “quanto à significação”, “quantum ad sensum”, a forma do sacramento em ambas as hipóteses foi irremediavelmente alterada e corrompida. O “sensus verborum” quando pode ser mais que um, necessita ser determinado por um deles: há um sentido ortodoxo, de Cristo, do Magistério perene e um sentido heterodoxo condenado como herético por esse Magistério. E o sentido determina-se não apenas pelos textos, mas, também pelos contextos. Assim, mesmo inexistindo as alterações materiais e formais vistas na própria forma, esta poderia ter sido alterada formalmente em seu sentido tornando-se ineficaz. Diz o Santo Doutor de Hipona: “A palavra opera nos sacramentos não porque é dita, isto é segundo o som exterior da voz, mas porque é acreditada segundo o sentido das palavras que se tem pela fé”.
Entretanto, antes de demonstrar a existência desse novo sentido impresso à forma do sacramento convém notar que tal sentido aqui não é o da causa final na mente do sacerdote que celebra, mas é o sentido que objetivamente emerge do complexo de contextos rituais que circundam a forma com suas exposições feitas pelos que “renovaram” os ritos. É, portanto, um dado que existe independente da intenção do sacerdote e que torna heterodoxo o complexo dos ritos do sacramento com suas vinculações subjacentes.
No caso concreto o sentido objetivo desse complexo e da forma devemos buscá-lo no “Ordo Missae” inovado com suas palavras, gestos, posturas e omissões; nas explicações a ele dadas pela “Institutio Generalis Missalis Romani” e pela Constituição Apostólica “Missale Romanum”. Esse complexo de dados pode ser examinado em suas causas intrínsecas material e formal e em suas causas extrínsecas eficiente e final.
Para não sermos prolixos indicamos apenas os pontos principais:

Na Santa Missa restaurada por S. Pio V, segundo a doutrina católica firmada em Trento, o sentido das palavras da forma sacramental é o da presença do próprio Cristo, mudando as espécies do pão e do vinho, realizando um Sacrifício ao Pai, com um “valor propiciatório” infinito, apto a perdoar os pecados dos vivos e dos mortos, sendo o celebrante nesse ato o único a realizar esse Sacrifício e, assim mesmo, como causa instrumental. Tal sacrifício “ab ipso solo sacerdote perfícitur… non prout christifidélium personam gerit” ensinou Pio XII — ele realiza-se somente pelo próprio sacerdote… e não enquanto representante dos fiéis”.
Ora, a “Institutio” conceituou a consagração como “narrativa da instituição” — “narratio institutionis”, como simples “prece”, como “oração presidencial“, impetração do povo “dirigida” por um “presidente”. Mesmo após as forçadas “emendas” a um documento pontifício do nível de uma Constituição Apostólica, o “pópulus Dei” aparece como a causa eficiente do sacramento. Quanto ao sacrifício, conceituou-o como de louvor e ação de graças, mas apagou a dedo, no “Ordo Missae” as referências ao seu valor propiciatório. Apagou também a quase totalidade das expressões exteriores do culto de latria. A natureza do poder sacerdotal no ato foi tornada equívoca. Omitiu-se o termo “transubstanciação” no documento original e aí a presença de Cristo no sacramento foi desnaturada, confundida com a presença na assembléia do povo ou dela derivada. O rito do “benedixit” vinculado por Cristo à consagração foi rejeitado. O Concílio Tridentino prescreveu sob pena de excomunhão que as “verba Salvatoris” da forma fossem ditas em voz baixa, em latim. Elas não são ditas pelo sacerdote “enquanto representante dos fiéis”, enquanto “presidente” da assembléia, mas sim enquanto sustem a pessoa de Cristo. Entretanto, os novos ritos afirmam hereticamente que “a natureza das partes presidenciais” exige “a voz alta”. A forma do sacramento era impressa com destaque tipográfico nos missais (corpo maior) e com separação dos textos ditos narrativamente “in persona ministri” (ponto final antes e depois). O destaque e a separação foram eliminados em relação às adições feitas. Após a realização do sacramento, Cristo presente, o novo rito fala de imediato: “enquanto esperamos a vinda de Cristo” ou “Vinde, Senhor Jesus!”. Textos probantes da presença real (1 Cor 11, 27-32) foram eliminados nas missas da Eucaristia: “Corpus Christi” e quinta-feira-santa. “Tradições apostólicas”, segundo o Concílio de Trento e outras tradições instituídas por outros Concílios relativas à distribuição do sacramento, foram rejeitadas. Doutrinas condenadas com veemência por vários Papas, como “falsas”, tais como o Liberalismo religioso, o Ecumenismo, o Antropocentrismo, o Modernismo refletiram-se nos contextos rituais deles, eliminando o “Deus dos Exércitos”, a palavra “alma” e introduzindo prece pela “liberdade religiosa” (sexta-feira-santa).
Um exame dessas inovações demonstra a identidade impressionante delas com as efetuadas pelo heresiarca Martinho Lutero com sua “Missa Evangélica”. Mais: é tão evidente o sentido luterano dado à forma do sacramento que pastores protestantes, sem abandono de suas heresias, neles reconhecem o sentido herético e por essa razão o aceitam. Esse efeito melhor se explica se soubermos que a elaboração dos novos ritos foi dirigida por um franco-maçom com a participação, dentre outros, de cinco “pastores” heréticos. E vimos como a Conferência Episcopal de França mantém explícita a heresia no próprio “Missel des Dimanches”. Por outro lado sabemos que Cardeais perseverantes na Fé, como Ottaviani e Bacci escreveram ao “papa” reformador dos ritos declarando que, após exame feito por teólogos selecionados, verificou-se que o novo “Ordo Missae”: “desvia-se de modo impressionante, no conjunto como no detalhe, da teologia católica da Santa Missa formulada na XXII Sessão do Concílio de Trento”… .

Mons. Marcel Lefèbvre diz, a respeito dos novos ritos:
 
“II est psychologiquement, pastoralement, theologiquement impossible pour
les catholiques d’abandonner une liturgie qui est vraiment l’expression et le
soutien de leur foi pour adapter des nouveaus rites qui ont été conçu par des
herétiques sans mettre leur foi dans le plus grand péril. On ne peut pas imiter
les protestants
 indéfiniment sans le devenir”.
A demonstração da alteração da forma, pois, “quantum ad sensum” parece evidente, objetiva, emergente do conjunto de contextos. Portanto, como afirma o Concílio de Florença: “si aliquod desit non perfícitur sacramentum. Aqui a forma, pelo rito instituído, não possui identidade formal com a forma do rito milenar.
  1. A Causa Final e a Causa Formal
 
O sacerdote, na Missa, é um instrumento de Cristo, mas não um instrumento inanimado. É um ser racional que “age em razão de um fim”. Enquanto instrumento adere livremente ao fim proposto pela Causa Principal e aos meios por ela estabelecidos. O fim, causa da realização do Sacramento, somente é dado pela verdadeira Igreja: Cristo sacerdote oferecendo-se a si mesmo como vítima a seu Pai. Somente a verdadeira doutrina, a verdadeira Fé, dá esta intenção. A “intentio Christi” é manifesta pela ‘Intentio Ecclésiae” e a esta adere a “intentio ministri”. Nessa dupla relação de identidades a “intentio Ecclésiae” surge como o termo médio do silogismo e, se for equívoca ou diferente, a identidade da intenção de Cristo é comprometida. Se existe um “novo modo de encarar a Igreja” (Paulo VI) o termo médio mudou de “sentido”. Isso se confirma pela “nova teologia”, pela “nova igreja” pós-conciliar. Assim, quem adere a essa “igreja” não mais adere à Igreja, não mais tem a “intentio Ecclésiae” e, por isso: “non perfícitur sacramentum”. Note-se que essa “intenção da Igreja” não se confunde com a intenção interior de um Papa da Igreja (ou da “igreja”) nem com a de seus auxiliares que instituíram os ritos que circundam o Sacramento. São as doutrinas, os textos e contextos dos ritos, atos e omissões provenientes desse Papa que colocam tais manifestações exteriores em identidade ou não com o “opus Christi” e a “intentio Ecclésiae”. Embora fosse difícil, admite-se que mesmo o sacerdote caído em heresia possa consagrar aderindo à intenção da verdadeira Igreja. Mas, mesmo os sacerdotes com Fé, os que “não observam a forma”… “não conferem o sacramento nem a “res” do sacramento”, diz o Angélico.
 
Pode-se discutir se a reta intenção do sacerdote pode suprir a falta da forma idêntica e o vício do “sensus verborum”, objetivamente alterado pelos ritos. Parece-nos que a causa final não supre por si só a causa formal pela qual o efeito se especifica. Não é suficiente ter-se a intenção de se atingir um fim para que, por qualquer meio, ele se realize. Entretanto a Fé e a piedade poderiam gerar no sacerdote de ignorância inculpável os efeitos do sacramento “quoad nos”, a “graça”, a “virtude espiritual” mesmo inexistindo o sacramento. Este, ordinariamente, depende da “forma devida”.
 
  1. O Efeito de outra Causa
De todo o exposto conclui-se que alterada a forma quer por adições, subtrações ou substituições, quer por mutações “quanto ao sentido” o efeito da “celebração eucarística” dos que se intitulam “cristãos reformados” não é o da Santa Missa, não é a “transubstanciação”. Por tal “celebração” “non perfícitur sacramentum”: é inválida como Missa. Portanto, salvo ignorância inculpável, a adesão a tal rito é ilícita e pecaminosa. “Quem o cumprimenta é cúmplice de suas obras más”. Além disso, tal rito representa uma ruptura cismática em relação ao sentir da Igreja de todos os tempos. Com razão escreveram os teólogos Caetano e Suarez: O Papa poderia ser cismático… se quisesse subverter todas as cerimônias eclesiásticas firmadas pela tradição apostólica”. Tal “papa” teria perdido a “devida conjunção” com a Igreja Católica, afastando-se da unidade com os demais Papas, por exemplo, com São Pio V e seus sucessores que com todo empenho da autoridade apostólica estabeleceu “para sempre” a expressão ritual referente ao sacramento da Eucaristia em sua substância. São Pio X dizia que: “As várias partes da missa e do Ofício devem conservar, até musicalmente, a forma que a Tradição eclesiástica lhes deu”. Pio XI declara que os Papas “procuraram conservar carinhosamente as leis da Liturgia Sagrada, protegê-las e preservá-las de toda adulteração”. Estabelecendo um rito de sentido contrário à Fé, o Papa comete um ato ilícito. Comete-o também pela infração ao “direito de inovar”. Se a ignorância inculpável pode desculpar o fiel por certo tempo, pode perdurar sem culpa, por muito tempo, na mente do sacerdote, a ignorância sobre a teologia católica exposta em Trento quanto ao sentido objetivo que o rito confere à forma do sacramento? Nem ao sacerdote nem ao fiel é lícito aderir a um rito que o expõe ao perigo sorrateiro de alterar ou destruir a sua Fé. Este risco em relação aos novos ritos os “frutos maus” o confirmam. Eles atestam a qualidade da árvore que os gerou. A virtude da obediência não pode deixar de ser dirigida superiormente pela virtude teologal da Fé.
Leiamos as Sagradas Escrituras:
 
“Não fareis adição à palavra que vos falo, não subtraireis dela” e “se
alguém adicionar algo a estas palavras, adicionará Deus sobre ele as pragas
escritas neste livro; e se alguém diminuí-las, tirará Deus a sua parte no livro
da vida”.
Santo Tomás de Aquino, Doutor da Igreja, julga aplicáveis estas palavras divinas aos que realizem mutações na forma do sacramento da Eucaristia “em relação ao sentido”, “quantum ad sensum”.
Laus Deo Virginique Mariae

* * *
 

DOUTRINA DA IGREJA CATÓLICA

BULA “QUO PRIMUM” DO SANTO PADRE O PAPA SÃO PIO V SOBRE O MISSAL ROMANO DA TRADIÇÃO MILENAR
— Trechos —
 
1) O Missal é Perpétuo

Nada jamais deverá ser acrescentado, subtraído ou alterado neste Missal… (“nihiI unquam addendum, detrahendum aut immutandum”) sob pena de nossa indignação. Estabelecemos que seja válido perpetuamente (“perpétuo valitura”).
2) O Indulto é Perpétuo

Pelo teor das presentes letras, por autoridade dos Apóstolos, concedemos e damos indulto perpétuo (“perpetuo concédimus et indulgemus”) para que doravante este Missal seja integralmente seguido no cantar ou recitar da Missa, dando permissão (aos sacerdotes) para usá-lo livre e licitamente, sem qualquer escrúpulo de consciência, sem incorrer em penas, sentença ou censura.
 
 
 
3) A Bula é Perpétua
 

Os sacerdotes “não sejam obrigados a celebrar a Missa de outro modo (“áliter”) que o estabelecido por nós. Não sejam coagidos por ninguém (“a quólibet”) a mudar este Missal. Estabelecemos igualmente que as presentes letras em tempo algum poderão ser revogadas ou abrandadas (“ullo unquam tempore revocari aut moderari possint”) mas que existam sempre firmes e válidas em sua força (“semper firmae et válidae in suo exsistant róbore”).
 
4) Ninguém Pode Contrariá-la
 
 
A homem algum sem exceção (“nulli ergo omnino hóminum”) seja lícito infringir esta página de nossa Permissão, Estatuto, Ordenação, Mandato, Preceito, Concessão, Indulto, Declaração, Vontade, Decreto e Proibição ou contrariá-la em temerária audácia. Se alguém tiver a presunção de cometer isto, ver-se-á incurso na indignação de Deus onipotente e de seus santos Apóstolos Pedro e Paulo.


“A mudança substancial com relação à forma torna o Sacramento inválido,
não entretanto a acidental, se bem que freqüentemente seja ILÍCITA…”

“Em coisa tão grave (Eucaristia) não parece matéria leve QUALQUER LEVE
MUTAÇÃO deliberadamente feita”.
 
— S. Afonso Maria de Ligório — Compendium Theologiae Moralis, Lugduni, 1853, p. 209 e 245. —


“Si aliquod desit non perfícitur sacramentam”
— Concílio de Florença —


LIÇÃO DO CATECISMO
 
“Se alguém conseguir provar que uma Igreja no decorrer dos tempos mudou suas
doutrinas, fica automaticamente provado que ela não é a verdadeira Igreja”.

— “Catecismo Escolar” do Pe. Spirago — 4.ª edição, página 77. —


“QUEM COMER ESTE PÃO OU BEBER ESTE CÁLICE DO SENHOR INDIGNAMENTE, SERÁ RÉU DO CORPO E SANGUE DO SENHOR… COME E BEBE SUA CONDENAÇÃO, NÃO DISCERNINDO O CORPO DO SENHOR”


(1 Cor. 11,27-29)